terça-feira, 6 de outubro de 2015

Contos extraídos do livro O Pássaro de Cinco Asas, de Dalton Trevisan


Clínica de Repouso 

Narrativa em terceira pessoa, o Conto foi extraído do livro O Pássaro de Cinco Asas, 1974; e conta a estória de Dona Candinha, internada num hospício por se desentender com a filha após trazer para casa seu namorado. Dona Candinha é apresentada para João, já em sua casa.
Maria enrolava a mãe dizendo que João era irmão de uma amiga, não tinha emprego e vindo do interior, não tinha onde morar.

“Dias mais tarde a velha descobriu que, primeiro, o distinto já estava empregado (colega de repartição de Maria) e, segundo, ainda que dez anos mais moço, era namorado da filha.”
Dona Candinha discute com a filha e com o moço que disse: “ - Sou moço simples, minha senhora. Uma coxinha de frango é o que me basta. Ovo frito na manteiga.”
A velha surpreendia-se com o comportamento dos dois pela casa e pede para a filha colocá-lo para fora de sua casa ameaçando tomar alguma providência. Quando a filha saiu, dona Candinha bateu na porta do moço e mandou-o embora. Na volta da filha esta “... insultou dona Candinha aos gritos de velha doida, maníaca , avarenta.”
Na seqüência discutem fervorosamente e dona Candinha sentiu-se mal com palpitação, tontura e pé frio. Foi para a cama dizendo que iria morrer. João ficou apavorado, fez as malas e se foi. Dona Candinha acordou bem feliz e a filha logo lhe ameaçou dizendo: “ —O João volta ou saio de casa. A vergonha é da senhora.”
Discutem, mãe e filha e dona Candinha novamente cai de cama. A filha é impiedosa. “— A senhora não me ilude. Finge-se doente para me castigar. Com este calor debaixo da coberta.”
Dias mais tarde, Maria traz um médico que recomenda tratamento de repouso para dona Candinha que está com esgotamento nervoso. “ — A senhora vai por bem — intimou a filha. — Ou então à força.”
Dona Candinha queria o convento das freiras e não o hospital que lhe recordava o falecido, mas a filha invadiu seu quarto com um enfermeiro e o noivo, que lhe arrastaram para o asilo Nossa Senhora da Luz, ficando lá perdida com todo tipo de loucos.
Existe no conto, após a internação de dona Candinha, as mais variadas expressões que possam representar os doentes. É uma seqüência de louca, doida, epilética, alcoólatra, louquinha, possessa, doidinha, mansa, lunática, furiosa, boba etc. Dona Candinha é tratada com pílulas e choque.
“Vinte e dois dias depois recebeu a visita da filha, o noivo fumava na porta.”
Dona Candinha não se alimentava porque a comida lhe enojava e não tomava água, pois uma possessa havia vomitado na pia onde pegava água. A filha dizia que a mãe fazia greve de fome. Brigavam e a filha sempre a condenando cada vez mais.
Enquanto isso: “ Instalado na casa, o noivo regalava-se com ovo frito na manteiga, coxinha gorda de frango.”
Chorava o dia todo, lembrava-se do finado e achava que estava internada por própria culpa pois não saíra da cama dando a chance para a filha lhe internar.
“Minha própria filha? — estalou baixinho a língua ressequida — Que não me acudiu na maior precisão?”
Foi pega rondando o portão e lhe confiscaram as roupas. Agora somente de camisolão sujo, dona Candinha sobrevive de chá frio com bolachas e nem consegue ler, mesmo de óculos.
Dessa forma o quadro de dona Candinha toma uma direção irreversível. A filha é implacável e reclama para o doutor que a mãe não sai da cama em pleno dia de sol e continua sempre se queixando.
Dona Candinha a manda embora: “Desapareça da minha vida. Você mais o dente de ouro.”
Assim termina dona Candinha no meio do hospício. “De dia o rádio ligado no maior volume. À noite a gritaria furiosa das lunáticas (...) Com paciência, amansa uma mosca das grades que vem comer na sua mão (...) Há três dias, afeiçoada à velhinha, não foge a mosca por entre as grades da janela.”


Noites de Curitiba

Extraído do livro O Pássaro de cinco Asas, 1974; a narrativa em terceira pessoa conta o romance de Marina, uma bailarina de um clube noturno e Serginho, um jovem boêmio, galã da noite, freqüentador assíduo de boates e clubes do submundo. “Era bailarina do Marrocos, morena, olho verde, cabelo comprido.”
Apaixonado pela moça, Serginho, “... no fundo um tímido, jamais entrava na boate sem o cigarrinho na mão; antes no bar da esquina, bebia cálices de conhaque num gole só.” a perseguia até que num final de noite ela se rendeu: “— Durmo com você. Só para me deixar em paz.”
Isso não foi suficiente para Serginho que queria mais. Entre tapas e beijos, Serginho se instalou no apartamento de Marina e começaram um romance. “Ela entretinha os clientes, no inferninho e no hotel, ele jogava no clube. Ia esperá-la às quatro da manhã para a sopa de bucho no Amarelinho.”
Ela gostava tanto do Serginho, mas este a traiu. Marina descobre e eles brigam. Serginho não transparece interesse por Marina que magoada por tê-lo recebido em sua casa, lhe ensinado bons costumes, vestido o rapaz e ter lhe dado tudo de melhor, não se contenta.
Marina lhe deu um carro e depois engravidou. Serginho continuava desprezando a mulher e também a filha; e ainda por cima: “Mudou-se para os braços de uma bailarina do Rosa's.” Marina é consolada por um garçom que era mais moço e lhe propôs casamento.
“Serginho, que você acha? — Por mim pode noivar, minha filha. E ficar com tudo.”
Marina foi fiel a Serginho e casou com o garçom, sumindo em seguida.
Serginho não deu o braço a torcer, mas ficou arrasado. Acabou-se em brigas na noite, perdeu no jogo e perdeu a fama de garanhão. Acabava nas noites de Curitiba entornando bebida e ficando sozinho pelos bares até a hora de fecharem.
“Doce tempo em que repartiam o bife com fritas no bar Palácio, um chope para ela, um licor para ele.”
Morava num quartinho de pensão e por vezes reagia, mas no fundo estava destruído. “Era a mulher da minha vida(...) Não tivesse casado com o garçom eu a esquecia.” 
Termina o conto, enfocando a vida inútil e perversa de Serginho, acabada e abandonada pela falta que sentia de Marina. “Toda manhã jura nunca mais beber (...) Paga uma e outra bailarina ...
Xinga a sargenta do Exército da Salvação ... Belisca as crianças (só as meninas) no Passeio Público.
Seguindo os aleijados assobia no compasso da bengala e da muleta. Aos cães vagabundos que rondam o bar oferece bolinho de carne com vidro moído.
Guia um cego pelo braço. Espera acender a luz vermelha. Larga-o no meio da rua.”


Que fim levou o vampiro de Curitiba?

Crônica escrita em primeira pessoa, extraída do livro O Pássaro de Cinco Asas, 1974; onde é destacado em toda a crônica, pormenores da cidade com imensa variedade de personagens do submundo (nem todos).
O narrador pergunta no início de cada parágrafo sempre que fim levou, que fim levaram; interroga pelo paradeiro de cada personagem. Alguns íntimos, outros apenas personalidades da cidade, vista pela sua particular visão de personagem inserido em sua própria narrativa.
Seria o narrador o Nelsinho, como assim era chamado pela maravilhosa negra Benvinda? Dessa forma vão desfilando todos os personagens e suas façanhas na cidade.
“Que fim levaram as polaquinhas do sobradinho, Petit Palais, Quinta Coluna, Pombal e 111(...) nos iniciaram a mim e você no alegre mistério da carne?”
Que fim levaram as cafetinas, a garçonete banguela do Café Avenida, o Candinho que era o rei dos cafetões, o grande Carlinhos que batia em todo mundo, as bailarinas da Caverna Curitibana. 
Todos os personagens, folclóricos, perversos, ingênuos, reais, surreais; vão desfilando um a um, todos conhecidos pelo narrador que vai esmiuçando as suas aventuras, prazeres e particularidades.
“E o homem da Capa Preta que fim levou, inteirinho nu debaixo da capa, chispando impávido na bicicleta, erguendo o vestido da moça e da velhota para roubar uma peça de algodãozinho — não tens piedade ó Senhor? —nem sequer enfeitada de renda?”
O bordel encantado das normalistas, a Nélcia, o grande Néio, a francesa do cachorrinho, a Juriti, a célebre Natachesca do sobrado da Rua Voluntários da Pátria, as loirinhas gorduchas do Bar Palmital, o Nô, que era sambista.
“ — de copo na mão congelou-se no Bar Pólo Norte?”
A ligação do narrador com todos os personagens perfilados na estória é intrínseca.
“ — Que fim levou a Valquíria, a minha, a tua, a Valquíria de todos nós...”
O grande Paulo, rei da boate Marrocos, que exibia as gringas mais fabulosas e vigaristas, o gordo Leandro que por ser veado era a vergonha da família “ ... quando ainda era vergonha um veado na família...”, o vampiro louco de Curitiba.
Pergunta que fim levou o lírico necrófilo que desenterrou a mocinha morta de tifo preto, “ ...— seria o coveiro? o pobre noivo seria? não seria você, hipócrita pai de família?”, as misses de Curitiba e a Sílvia, viciada em uísque “... em cujo quarto você acordava no céu com os sinos da catedral repicando ali na janela?”
No final ele termina perguntando de si próprio:
“—E afinal eu, o galã amado por todas as taxi-girls, que foi feito de mim, ó Senhor, morto que sobreviveu aos seus fantasmas, gemendo desolado por entre as ruínas de uma Curitiba perdida, para onde sumi, que sem-fins me levaram?”

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