sábado, 28 de novembro de 2015

#Desafio da Semana 03#

PROJETO DESAFIO GRAMATICAL
Prof. Victor[1]
# DESAFIO DA SEMANA 3 #
ASSUNTO: CONCORDÂNCIA NOMINAL

QUESTÃO 01 – Escolha a palavra que completa corretamente (de acordo com a norma culta) as frases a seguir:

·       a) Justiça entre os homens é ______. (NECESSÁRIO/NECESSÁRIA).
·       b) __________ entrada de estranhos. (PROIBIDO/PROIBIDA)
·       c) Aquela fruta é ____________. (GOSTOSO/GOSTOSA)
·       d) Maria Letícia, __________ você foi?! Demorou bastante! (ONDE/AONDE)
·       e) Darlison foi visitar a cidade ________ morou durante dois anos. (ONDE/AONDE)
·       f) Victor Afonso __________  que a atividade de Português deve ser entregue hoje. (LEMBROU-SE/LEMBROU)

ASSUNTO: AMBIGUIDADE (DUPLO SENTIDO)

QUESTÃO 2 – A sentença a seguir apresenta duplo sentido. Explique, portanto, os dois sentidos da expressão a seguir (siga o modelo do exemplo):

EXEMPLO: Mariana pediu a Victor Muniz para sair.
Interpretação 1 – Mariana deverá para sair (Mariana pediu licença).
Interpretação 2 – Victor Muniz deverá sair (Victor Muniz foi convidado a se retirar).

Ana Larissa disse ao Levi que suas palavras convenceriam o professor.
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A PRÓXIMA ATIVIDADE DEVE SER RESPONDIDA NO VERSO DA FICHA DE PARTICIPAÇÃO REFERENTE À SEMANA 03.

ASSUNTO: PROSÓDIA

QUESTÃO EXTRA – Após conversarem sobre atualidades, Caio e Débora começaram a verificar palavras estranhas no dicionário. Em suas pesquisas, encontraram as seguintes palavras:

filantropo – pudico – rubrica – recorde - circuito

A dúvida é, como seria a pronúncia dessas palavras? Perceberam que a precisavam ajuda. Ao serem consultadas, Bianca e Yara sugeriram que a sílaba tônica das palavras deveria ser destacada da seguinte forma:

                   filantropo – pudico – rubrica – recorde - circuito

Então, como você destacaria a sílaba tônica dessas palavras? Reescreva as palavras acima e sublinhe (ou circule) a sílaba tônica e, em seguida, dê a definição das palavras.
OBSERVAÇÃO: CONSULTE UM DICIONÁRIO PARA DEFINIR AS PALAVRAS  E INDIQUE A FONTE DE PESQUISA ( NOME DO DICIONÁRIO OU SÍTIO ELETRÔNICO).



[1] Responsável por elaborar/selecionar as questões.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

PROJETO DESAFIO GRAMATICAL # Semana 02 #

PROJETO DESAFIO GRAMATICAL
Prof. Victor1
# DESAFIO DA SEMANA 2 #


QUESTÃO 01 – Marque a opção que preencha corretamente as lacunas:
Marcelo e Carolina namoraram durante três anos e estavam juntos ______________ se amavam. ______________ agora, depois de tanto tempo, ela resolvera romper o relacionamento? Estaria ela infeliz? ___________? Na verdade, ele nunca entenderá o _____________ da atitude da namorada.

a) porque, por que, por quê, porquê.
b) por que, porque, porquê, por quê.
c) por quê, porquê, porque, por que.
d) porque, por quê, por que, porquê.
e) porque, por que, porquê, por quê.


QUESTÃO 2 – Empregue corretamente os termos “mas” e “mais”:

  • Vitor Pinheiro saiu cedo de casa, _____ o congestionamento o atrasou.
  • Sem _____ nem menos, Pâmela decidiu viajar para os Estados Unidos.
  • Júlio era o aluno _____ inteligente de sua turma.
  • Victor Gabriel estava estudando ao ar livre, _____ a chuva atrapalhou seus planos.

a) mais – mas – mas – mais
b) mais – mais – mais – mas
c) mas – mais – mais – mas
d) mas – mas – mas – mais


1 Responsável por elaborar/selecionar as questões.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Desafio da Semana - Projeto Desafio Gramatical



# SEMANA 1 #



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QUESTÃO 01

(Fuvest – SP) “Diga ---- elas que estejam daqui----pouco-------porta da biblioteca”.

a) à, há, a
b) a, há, à
c) a, a, à
d) à, a, a
e) a, a, a

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QUESTÃO 02

Tendo em vista o emprego das expressões a/ há, acerca de/ há cerca de/ a cerca de, tampouco/tão pouco, distribua-as nas lacunas abaixo, de modo a torná-las adequadas ao padrão formal da linguagem:

a) -----------------------cinco anos concluí minha graduação. (acerca de/ há cerca de/a cerca de)
b) Moramos --------------- dois quilômetros daqui. (acerca de/ há cerca de/a cerca de)
c) Na reunião, discutimos assuntos ---------------------- planos futuros. (acerca de/ há cerca de/a cerca de)
d) --------------------muito não o vejo. (a/há)
e) Daqui --------------dois meses estarei de férias. (a/há)
f) Nossa! Falta ----------- para terminarmos o ano, portanto, permaneça conosco até o final. (tampouco / tão pouco)
g) Não quis falar com ninguém, nem -------------- relatou o que acontecera.(tampouco / tão pouco)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Contos extraídos do livro O Pássaro de Cinco Asas, de Dalton Trevisan


Clínica de Repouso 

Narrativa em terceira pessoa, o Conto foi extraído do livro O Pássaro de Cinco Asas, 1974; e conta a estória de Dona Candinha, internada num hospício por se desentender com a filha após trazer para casa seu namorado. Dona Candinha é apresentada para João, já em sua casa.
Maria enrolava a mãe dizendo que João era irmão de uma amiga, não tinha emprego e vindo do interior, não tinha onde morar.

“Dias mais tarde a velha descobriu que, primeiro, o distinto já estava empregado (colega de repartição de Maria) e, segundo, ainda que dez anos mais moço, era namorado da filha.”
Dona Candinha discute com a filha e com o moço que disse: “ - Sou moço simples, minha senhora. Uma coxinha de frango é o que me basta. Ovo frito na manteiga.”
A velha surpreendia-se com o comportamento dos dois pela casa e pede para a filha colocá-lo para fora de sua casa ameaçando tomar alguma providência. Quando a filha saiu, dona Candinha bateu na porta do moço e mandou-o embora. Na volta da filha esta “... insultou dona Candinha aos gritos de velha doida, maníaca , avarenta.”
Na seqüência discutem fervorosamente e dona Candinha sentiu-se mal com palpitação, tontura e pé frio. Foi para a cama dizendo que iria morrer. João ficou apavorado, fez as malas e se foi. Dona Candinha acordou bem feliz e a filha logo lhe ameaçou dizendo: “ —O João volta ou saio de casa. A vergonha é da senhora.”
Discutem, mãe e filha e dona Candinha novamente cai de cama. A filha é impiedosa. “— A senhora não me ilude. Finge-se doente para me castigar. Com este calor debaixo da coberta.”
Dias mais tarde, Maria traz um médico que recomenda tratamento de repouso para dona Candinha que está com esgotamento nervoso. “ — A senhora vai por bem — intimou a filha. — Ou então à força.”
Dona Candinha queria o convento das freiras e não o hospital que lhe recordava o falecido, mas a filha invadiu seu quarto com um enfermeiro e o noivo, que lhe arrastaram para o asilo Nossa Senhora da Luz, ficando lá perdida com todo tipo de loucos.
Existe no conto, após a internação de dona Candinha, as mais variadas expressões que possam representar os doentes. É uma seqüência de louca, doida, epilética, alcoólatra, louquinha, possessa, doidinha, mansa, lunática, furiosa, boba etc. Dona Candinha é tratada com pílulas e choque.
“Vinte e dois dias depois recebeu a visita da filha, o noivo fumava na porta.”
Dona Candinha não se alimentava porque a comida lhe enojava e não tomava água, pois uma possessa havia vomitado na pia onde pegava água. A filha dizia que a mãe fazia greve de fome. Brigavam e a filha sempre a condenando cada vez mais.
Enquanto isso: “ Instalado na casa, o noivo regalava-se com ovo frito na manteiga, coxinha gorda de frango.”
Chorava o dia todo, lembrava-se do finado e achava que estava internada por própria culpa pois não saíra da cama dando a chance para a filha lhe internar.
“Minha própria filha? — estalou baixinho a língua ressequida — Que não me acudiu na maior precisão?”
Foi pega rondando o portão e lhe confiscaram as roupas. Agora somente de camisolão sujo, dona Candinha sobrevive de chá frio com bolachas e nem consegue ler, mesmo de óculos.
Dessa forma o quadro de dona Candinha toma uma direção irreversível. A filha é implacável e reclama para o doutor que a mãe não sai da cama em pleno dia de sol e continua sempre se queixando.
Dona Candinha a manda embora: “Desapareça da minha vida. Você mais o dente de ouro.”
Assim termina dona Candinha no meio do hospício. “De dia o rádio ligado no maior volume. À noite a gritaria furiosa das lunáticas (...) Com paciência, amansa uma mosca das grades que vem comer na sua mão (...) Há três dias, afeiçoada à velhinha, não foge a mosca por entre as grades da janela.”


Noites de Curitiba

Extraído do livro O Pássaro de cinco Asas, 1974; a narrativa em terceira pessoa conta o romance de Marina, uma bailarina de um clube noturno e Serginho, um jovem boêmio, galã da noite, freqüentador assíduo de boates e clubes do submundo. “Era bailarina do Marrocos, morena, olho verde, cabelo comprido.”
Apaixonado pela moça, Serginho, “... no fundo um tímido, jamais entrava na boate sem o cigarrinho na mão; antes no bar da esquina, bebia cálices de conhaque num gole só.” a perseguia até que num final de noite ela se rendeu: “— Durmo com você. Só para me deixar em paz.”
Isso não foi suficiente para Serginho que queria mais. Entre tapas e beijos, Serginho se instalou no apartamento de Marina e começaram um romance. “Ela entretinha os clientes, no inferninho e no hotel, ele jogava no clube. Ia esperá-la às quatro da manhã para a sopa de bucho no Amarelinho.”
Ela gostava tanto do Serginho, mas este a traiu. Marina descobre e eles brigam. Serginho não transparece interesse por Marina que magoada por tê-lo recebido em sua casa, lhe ensinado bons costumes, vestido o rapaz e ter lhe dado tudo de melhor, não se contenta.
Marina lhe deu um carro e depois engravidou. Serginho continuava desprezando a mulher e também a filha; e ainda por cima: “Mudou-se para os braços de uma bailarina do Rosa's.” Marina é consolada por um garçom que era mais moço e lhe propôs casamento.
“Serginho, que você acha? — Por mim pode noivar, minha filha. E ficar com tudo.”
Marina foi fiel a Serginho e casou com o garçom, sumindo em seguida.
Serginho não deu o braço a torcer, mas ficou arrasado. Acabou-se em brigas na noite, perdeu no jogo e perdeu a fama de garanhão. Acabava nas noites de Curitiba entornando bebida e ficando sozinho pelos bares até a hora de fecharem.
“Doce tempo em que repartiam o bife com fritas no bar Palácio, um chope para ela, um licor para ele.”
Morava num quartinho de pensão e por vezes reagia, mas no fundo estava destruído. “Era a mulher da minha vida(...) Não tivesse casado com o garçom eu a esquecia.” 
Termina o conto, enfocando a vida inútil e perversa de Serginho, acabada e abandonada pela falta que sentia de Marina. “Toda manhã jura nunca mais beber (...) Paga uma e outra bailarina ...
Xinga a sargenta do Exército da Salvação ... Belisca as crianças (só as meninas) no Passeio Público.
Seguindo os aleijados assobia no compasso da bengala e da muleta. Aos cães vagabundos que rondam o bar oferece bolinho de carne com vidro moído.
Guia um cego pelo braço. Espera acender a luz vermelha. Larga-o no meio da rua.”


Que fim levou o vampiro de Curitiba?

Crônica escrita em primeira pessoa, extraída do livro O Pássaro de Cinco Asas, 1974; onde é destacado em toda a crônica, pormenores da cidade com imensa variedade de personagens do submundo (nem todos).
O narrador pergunta no início de cada parágrafo sempre que fim levou, que fim levaram; interroga pelo paradeiro de cada personagem. Alguns íntimos, outros apenas personalidades da cidade, vista pela sua particular visão de personagem inserido em sua própria narrativa.
Seria o narrador o Nelsinho, como assim era chamado pela maravilhosa negra Benvinda? Dessa forma vão desfilando todos os personagens e suas façanhas na cidade.
“Que fim levaram as polaquinhas do sobradinho, Petit Palais, Quinta Coluna, Pombal e 111(...) nos iniciaram a mim e você no alegre mistério da carne?”
Que fim levaram as cafetinas, a garçonete banguela do Café Avenida, o Candinho que era o rei dos cafetões, o grande Carlinhos que batia em todo mundo, as bailarinas da Caverna Curitibana. 
Todos os personagens, folclóricos, perversos, ingênuos, reais, surreais; vão desfilando um a um, todos conhecidos pelo narrador que vai esmiuçando as suas aventuras, prazeres e particularidades.
“E o homem da Capa Preta que fim levou, inteirinho nu debaixo da capa, chispando impávido na bicicleta, erguendo o vestido da moça e da velhota para roubar uma peça de algodãozinho — não tens piedade ó Senhor? —nem sequer enfeitada de renda?”
O bordel encantado das normalistas, a Nélcia, o grande Néio, a francesa do cachorrinho, a Juriti, a célebre Natachesca do sobrado da Rua Voluntários da Pátria, as loirinhas gorduchas do Bar Palmital, o Nô, que era sambista.
“ — de copo na mão congelou-se no Bar Pólo Norte?”
A ligação do narrador com todos os personagens perfilados na estória é intrínseca.
“ — Que fim levou a Valquíria, a minha, a tua, a Valquíria de todos nós...”
O grande Paulo, rei da boate Marrocos, que exibia as gringas mais fabulosas e vigaristas, o gordo Leandro que por ser veado era a vergonha da família “ ... quando ainda era vergonha um veado na família...”, o vampiro louco de Curitiba.
Pergunta que fim levou o lírico necrófilo que desenterrou a mocinha morta de tifo preto, “ ...— seria o coveiro? o pobre noivo seria? não seria você, hipócrita pai de família?”, as misses de Curitiba e a Sílvia, viciada em uísque “... em cujo quarto você acordava no céu com os sinos da catedral repicando ali na janela?”
No final ele termina perguntando de si próprio:
“—E afinal eu, o galã amado por todas as taxi-girls, que foi feito de mim, ó Senhor, morto que sobreviveu aos seus fantasmas, gemendo desolado por entre as ruínas de uma Curitiba perdida, para onde sumi, que sem-fins me levaram?”

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Figuras de Linguagem



Abaixo, alguns sítios para ajudar na pesquisa.


http://rachacuca.com.br/educacao/portugues/figuras-de-linguagem/

http://www.soportugues.com.br/secoes/estil/estil2.php

http://www.infoescola.com/portugues/figuras-de-linguagem/

http://www.brasilescola.com/portugues/figuras-linguagem.htm



terça-feira, 26 de maio de 2015

Os cem melhores contos brasileiros do século


Disponibilizo o livro Os cem melhores contos brasileiros do século para que vocês possam baixá-lo e fazer a leitura.

Bons estudos!

https://mscamp.files.wordpress.com/2008/12/cem_melhores_contos_brasileiros_do_seculo_-_italo_moriconi.pdf

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O bebê de tarlatana rosa, de João do Rio


- Oh! uma história de máscaras! quem não a tem na sua vida? O carnaval só é interessante porque nos dá essa sensação de angustioso imprevisto... Francamente. Toda a gente tem a sua história de carnaval, deliciosa ou macabra, álgida ou cheia de luxúrias atrozes. Um carnaval sem aventuras não é carnaval. Eu mesmo este ano tive uma aventura...
E Heitor de Alencar esticava-se preguiçosamente no divã, gozando a nossa curiosidade.
Havia no gabinete o barão Belfort, Anatólio de Azambuja de que as mulheres tinham tanta implicância, Maria de Flor, a extravagante boêmia, e todos ardiam por saber a aventura de Heitor. O silêncio tombou expectante. Heitor, fumando um gianaclis autêntico, parecia absorto.
- É uma aventura alegre? indagou Maria.
- Conforme os temperamentos.
- Suja?
- Pavorosa ao menos.
- De dia?
- Não. Pela madrugada.
- Mas, homem de Deus, conta! suplicava Anatólio. Olha que está adoecendo a Maria.
Heitor puxou um largo trago à cigarreta.
- Não há quem não saia no Carnaval disposto no excesso, disposto aos transportes da carne e às maiores extravagâncias. O desejo, quase doentio é como incutido, infiltrado pelo ambiente. Tudo respira luxúria, tudo tem da ânsia e do espasmo, e nesses quatro dias paranóicos, de pulos, de guinchos, de confianças ilimitadas, tudo é possível. Não há quem se contente com uma...
- Nem com um, atalhou Anatólio.
- Os sorrisos são ofertas, os olhos suplicam, as gargalhadas passam como arrepios de urtiga pelo ar. É possível que muita gente consiga ser indiferente. Eu sinto tudo isso. E saindo, à noite, para a pornéia da cidade, saio como na Fenícia saíam os navegadores para a procissão da Primavera, ou os alexandrinos para a noite de Afrodita.
- Muito bonito! ciciou Maria de Flor.
- Está claro que este ano organizei uma partida com quatro ou cinco atrizes e quatro ou cinco companheiros. Não me sentia com coragem de ficar só como um trapo no vagalhão de volúpia e de prazer da cidade. O grupo era o meu salva-vidas. No primeiro dia, no sábado, andávamos de automóvel a percorrer os bailes. Íamos indistintamente beber champagne aos clubes de jogo que anunciavam bailes e aos maxixes mais ordinários. Era divertidíssimo e ao quinto clube estávamos de todo excitados. Foi quando lembrei uma visita ao baile público do Recreio. - "Nossa Senhora! disse a primeira estrela de revistas, que ia conosco. Mas é horrível! Gente ordinária, marinheiros à paisana, fúfias do pedaços mais esconsos da rua de S. Jorge, um cheiro atroz, rolos constantes..." - Que tem isso? Não vamos juntos?"
Com efeito. Íamos juntos e fantasiadas as mulheres. Não havia o que temer e a gente conseguia realizar o maior desejo: acanalhar-se, enlamear-se bem. Naturalmente fomos e era desolação com pretas beiçudas e desdentadas esparrimando belbutinas fedorentas pelo estrado da banda militar, todo o pessoal de azeiteiros das ruelas lôbregas e essas estranhas figuras de larvas diabólicas, de íncubos em frascos de álcool, que têm as perdidas de certas ruas, moças, mas com os traços como amassados e todas pálidas, pálidas feitas de pasta de mata-borrão e de papel-arroz. Não havia nada de novo. Apenas, como o grupo parara diante dos dançarinos, eu senti que se roçava em mim, gordinho e apetecível, um bebê de tarlatana rosa. Olhei-lhe as pernas de meia curta. Bonitas. Verifiquei os braços, o caído das espáduas, a curva do seio. Bem agradável. Quanto ao rosto era um rostinho atrevido, com dois olhos perversos e uma boca polpuda como se ofertando. Só postiço trazia o nariz, um nariz tão bem-feito, tão acertado, que foi preciso observar para verificá-lo falso. Não tive dúvida. Passei a mão e preguei-lhe um beliscão. O bebê caiu mais e disse num suspiro: - ai que dói! Estão vocês a ver que eu fiquei imediatamente disposto a fugir do grupo. Mas comigo iam cinco ou seis damas elegantes capazes de se debochar mas de não perdoar os excessos alheios, e era sem linha correr assim, abandonando-as, atrás de uma freqüentadora dos bailes do Recreio. Voltamos para os automóveis e fomos cear no clube mais chic e mais secante da cidade.
- E o bebê?
- O bebê ficou. Mas no domingo, em plena Avenida, indo eu ao lado do chauffeur; no burburinho colossal, senti um beliscão na perna e urna voz rouca dizer: "para pagar o de ontem". Olhei. Era o bebê rosa, sorrindo, com o nariz postiço, aquele nariz tão perfeito. Ainda tive tempo de indagar: aonde vais hoje?
- A toda parte! respondeu, perdendo-se num grupo tumultuoso.
- Estava perseguindo-te! comentou Maria de Flor.
- Talvez fosse um homem... soprou desconfiado o amável Anatólio.
- Não interrompam o Heitor! fez o barão, estendendo a mão.
Heitor acendeu outro gianaclis, ponta de ouro, continuou:
- Não o vi mais nessa noite e segunda-feira não o vi também. Na terça desliguei-me do grupo e cai no mar alto da depravação, só, com uma roupa leve por cima da pele e todos os maus instintos fustigados. De resto a cidade inteira estava assim. É o momento em que por trás das máscaras as meninas confessam paixões aos rapazes, é o instante em que as ligações mais secretas transparecem, em que a virgindade é dúbia e todos nós a achamos inútil, a honra uma caceteação, o bom senso uma fadiga. Nesse momento tudo é possível, os maiores absurdos, os maiores crimes; nesse momento há um riso que galvaniza os sentidos e o beijo se desata naturalmente.
Eu estava trepidante, com uma ânsia de acanalhar-me, quase mórbida. Nada de raparigas do galarim perfumadas e por demais conhecidas, nada do contato familiar, mas o deboche anônimo, o deboche ritual de chegar, pegar, acabar, continuar. Era ignóbil. Felizmente muita gente sofre do mesmo mal no carnaval.
- A quem o dizes!... suspirou Maria de Flor.
- Mas eu estava sem sorte, com a guigne, com o caiporismo dos defuntos índios. Era aproximar-me, era ver fugir a presa projetada. Depois de uma dessas caçadas pelas avenidas e pelas praças, embarafustei pelo S. Pedro, meti-me nas danças, rocei-me àquela gente em geral pouco limpa, insisti aqui, ali. Nada!
- É quando se fica mais nervoso!
- Exatamente. Fiquei nervoso até o fim do baile, vi sair toda gente, e saí mais desesperado. Eram três horas da manhã. O movimento das ruas abrandara. Os outros bailes já tinham acabado. As praças, horas antes incendiadas pelos projetores elétricos e as cambiantes enfumadas dos fogos de bengala, caiam em sombras - sombras cúmplices da madrugada urbana. E só, indicando a folia, a excitação da cidade, um ou outro carro arriado levando máscaras aos beijos ou alguma fantasia tilintando guizos pelas calçadas fofas de confete. Oh! a impressão enervante dessas figuras irreais na semi-sombra das horas mortas, roçando as calçadas, tilintando aqui, ali um som perdido de guizo! Parece qualquer coisa de impalpável, de vago, de enorme, emergindo da treva aos pedaços... E os dominós embuçados, as dançarinas amarfanhadas, a coleção indecisa dos máscaras de último instante arrastando-se extenuados! Dei para andar pelo largo do Rocio e ia caminhando para os lados da secretaria do interior, quando vi, parado, o bebê de tarlatana rosa.
Era ele! Senti palpitar-me o coração. Parei.
- "Os bons amigos sempre se encontram" disse.
O bebê sorriu sem dizer palavra. Estás esperando alguém? Fez um gesto com a cabeça que não. Enlacei-o. - Vens comigo? Onde? indagou a sua voz áspera e rouca. - Onde quiseres! Peguei-lhe nas mãos. Estavam úmidas mas eram bem tratadas. Procurei dar-lhe um beijo. Ela recuou. Os meus lábios tocaram apenas a ponta fria do seu nariz. Fiquei louco.
- Por pouco...
- Não era preciso mais no Carnaval, tanto mais quanto ela dizia com a sua voz arfante e lúbrica: - "Aqui não!" Passei-lhe o braço pela cintura e fomos andando sem dar palavra. Ela apoiava-se em mim, mas era quem dirigia o passeio e os seus olhos molhados pareciam fruir todo o bestial desejo que os meus diziam. Nessas fases do amor não se conversa. Não trocamos uma frase. Eu sentia a ritmia desordenada do meu coração e o sangue em desespero. Que mulher! Que vibração! Tínhamos voltado ao jardim. Diante da entrada que fica fronteira à rua Leopoldina, ela parou, hesitou. Depois arrastou-me, atravessou a praça, metemo-nos pela rua escura e sem luz. Ao fundo, o edifício das Belas-Artes era desolador e lúgubre. Apertei-a mais. Ela aconchegou-se mais. Como os seus olhos brilhavam! Atravessamos a rua Luís de Camões, ficamos bem embaixo das sombras espessas do Conservatório de Música. Era enorme o silêncio e o ambiente tinha uma cor vagamente ruça com a treva espancada um pouco pela luz dos combustores distantes. O meu bebê gordinho e rosa parecia um esquecimento do vicio naquela austeridade da noite. - Então, vamos? indaguei. - Para onde? - Para a tua casa. - Ah! não, em casa não podes... - Então por aí. - Entrar, sair, despir-me. Não sou disso! - Que queres tu, filha? É impossível ficar aqui na rua. Daqui a minutos passa a guarda. - Que tem? - Não é possível que nos julguem aqui para bom fim, na madrugada de cinzas. Depois, às quatro tens que tirar a máscara. - Que máscara? - O nariz. - Ah! sim! E sem mais dizer puxou-me. Abracei-a. Beijei-lhe os braços, beijei-lhe o colo, beijei-lhe o pescoço. Gulosamente a sua boca se oferecia. Em torno de nós o mundo era qualquer coisa de opaco e de indeciso. Sorvi-lhe o lábio.
Mas o meu nariz sentiu o contato do nariz postiço dela, um nariz com cheiro a resina, um nariz que fazia mal. - Tira o nariz! - Ela segredou: Não! não! custa tanto a colocar! Procurei não tocar no nariz tão frio naquela carne de chama.
O pedaço de papelão, porém, avultava, parecia crescer, e eu sentia um mal-estar curioso, um estado de inibição esquisito. - Que diabo! Não vás agora para casa com isso! Depois não te disfarça nada. - Disfarça sim! - Não! procurei-lhe nos cabelos o cordão. Não tinha. Mas abraçando-me, beijando-me, o bebê de tarlatana rosa parecia uma possessa tendo pressa. De novo os seus lábios aproximaram-se da minha boca. Entreguei-me. O nariz roçava o meu, o nariz que não era dela, o nariz de fantasia. Então, sem poder resistir, fui aproximando a mão, aproximando, enquanto com a esquerda a enlaçava mais, e de chofre agarrei o papelão, arranquei-o. Presa dos meus lábios, com dois olhos que a cólera e o pavor pareciam fundir, eu tinha uma cabeça estranha, uma cabeça sem nariz, com dois buracos sangrentos atulhados de algodão, uma cabeça que era alucinante - uma caveira com carne...
Despeguei-a, recuei num imenso vômito de mim mesmo. Todo eu tremia de horror, de nojo. O bebê de tarlatana rosa emborcara no chão com a caveira voltada para mim, num choro que lhe arregaçava o beiço mostrando singularmente abaixo do buraco do nariz os dentes alvos. - Perdoa! Perdoa! Não me batas. A culpa não é minha! Só no Carnaval é que eu posso gozar. Então, aproveito, ouviste? aproveito. Foste tu que quiseste...
Sacudi-a com fúria, pu-la de pé num safanão que a devia ter desarticulado. Uma vontade de cuspir, de lançar apertava-me a glote, e vinha-me o imperioso desejo de esmurrar aquele nariz, de quebrar aqueles dentes, de matar aquele atroz reverso da Luxúria... Mas um apito trilou. O guarda estava na esquina e olhava-nos, reparando naquela cena da semitreva. Que fazer? Levar a caveira ao posto policial? Dizer a todo o mundo que a beijara? Não resisti. Afastei-me, apressei o passo e ao chegar ao largo inconscientemente deitei a correr como um louco para a casa, os queixos batendo, ardendo em febre.
Quando parei à porta para tirar a chave, é que reparei que a minha mão direita apertava uma pasta oleosa e sangrenta. Era o nariz do bebê de tarlatana rosa...
Heitor de Alencar parou, com o cigarro entre os dedos, apagado. Maria de Flor mostrava uma contração de horror na face e o doce Anatólio parecia mal. O próprio narrador tinha a camarinhar-lhe a fronte gotas de suor. Houve um silêncio agoniento. Afinal o barão Belfort ergueu-se, tocou a campainha para que o criado trouxesse refrigerantes e resumiu:
- Uma aventura, meus amigos, uma bela aventura. Quem não tem do Carnaval a sua aventura? Esta é pelo menos empolgante.

E foi sentar-se ao piano.

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Texto disponível em formato PDF ( a partir da página 47) em:
http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/dentro_da_noite.pdf 

segunda-feira, 30 de março de 2015

Matriz de Referência de Língua Portuguesa - SPAECE - Ensino Médio


Seguem os descritores:

D1 – Localizar informação explícita.
D2 – Inferir informação em texto verbal.
D3 – Inferir o sentido de palavra ou expressão.
D4 – Interpretar textos não verbais e textos que articulam elementos verbais e não verbais.
D5 – Identificar o tema ou assunto de um texto.
D6 – Distinguir fato de opinião relativa ao fato.
D7 – Diferenciar a informação principal das secundárias em um texto.
D8 – Formular hipóteses sobre o conteúdo do texto.
D9 – Reconhecer gênero discursivo.
D10 – Identificar o propósito comunicativo em diferentes gêneros.
D11 – Reconhecer os elementos que compõem uma narrativa e o conflito gerador.
D12 – Identificar semelhanças e/ou diferenças de ideias e opiniões na comparação entre textos.
D13 – Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos de um mesmo tema.
D14 – Reconhecer as relações entre partes de um texto identificando os recursos coesivos que contribuem para sua continuidade.
D15 – Identificar a tese de um texto.
D16 – Estabelecer relação entre tese e os argumentos oferecidos para sustentá-la.
D17 – Reconhecer o sentido das relações lógico-discursivas marcadas por conjunções, advérbios etc.
D18 – Reconhecer o sentido do texto e suas partes sem a presença de marcas coesivas.
D19 – Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de palavras, frases ou expressões.
D20 – Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações.
D21 – Reconhecer o efeito decorrente do emprego de recursos estilísticos e morfossintáticos.
D22 – Reconhecer efeitos de humor e ironia.
D23 – Identificar os níveis de linguagem e/ou as marcas linguísticas que evidenciam locutor e/ou interlocutor.




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Dizem que os cães veem coisas, de Moreira Campos


Ela chegou diáfana, transparente, no vestido branco que lhe descia até os pés calçados pelas ricas sandálias de pluma. Ninguém lhe ouviu os passos. Sentou-se à beira da grande piscina, cruzando as pernas longas. Chegou antiqüíssima, atual e eterna, com a sua cara de máscara. Moldada em gesso? Apenas uma presença, porque pousou como uma sombra. Mas por um fragmento de tempo, um quase nada, reinou entre todos um silêncio largo, que se estendeu pelo vasto terreno murado da mansão ensombrada pelas árvores, dominou a enorme piscina e emudeceu as próprias crianças pajeadas pelas babás de aventais bordados, e vejam que as crianças são indóceis.
              Um presságio.
              Fragmento de tempo apenas, porque o homem gordo, de ventre imenso, saltou dentro da piscina com o copo de uísque na mão. Espadanou água por todos os lados, a piscina transbordou. Muitos se molharam, outros saltaram da cadeira de lona.
              - Bruto! – disse alguém íntimo, sem que ele se aborrecesse, bêbado.
              A onda de água despejou-se sobre Ela, que não se moveu: era trespassável e transparente. Floco de névoa pronto a esvoaçar. Permaneceu parada, a cara imóvel, nenhum ricto. Apenas parecia consultar no pulso um relógio invisível, para marcar o tempo. O homem de ventre enorme já estava à beira da piscina, gotejante e trôpego, para uma nova dose de uísque, os dedos graúdos catando no balde os cubos de gelo. Mulheres seminuas, o cordão do biquíni, as nádegas reluzentes de sol e gotas dágua. As rodas, as conversas, os garçons que circulavam, as bandejas de salgadinhos.
              Uns óculos escuros sofisticados no sutiã mínimo:
              - Por favor.
              O garçom atendia, solicito, perdendo os olhos ávidos nos seios mal contidos, oferecidos e inatingíveis.
              - Obrigada.
              O garçom mantinha a dignidade, ereto. A menina chegou e segurou a mãe pelo queixo:
              - Mãe-ê, quero uma coca-cola.
              A mãe não lhe dava atenção em flerte com o recente campeão de vôlei, uma estrutura de tórax (a mãe da menina contrariava-se apenas com o tufo de pêlos que ele tinha no peito, quase imoral). A menina impacientava-se:
              - Mãe-ê, uma coca-cola.
              - Deixa de ser chata!
              O campeão levantou-se para apanhar o refrigerante. Em roda mais distante conversavam os homens graves: a última medida do governo, a crise econômica.
              - O país vai à bancarrota.
              - Vai o quê?
              - A bancarrota.
              - Fazia tempo que eu não ouvia essa palavra.
              - Mas vai.
              Aceitava-se a bancarrota sem muita convicção. Na grande varanda, as senhoras grisalhas e indesnudáveis, pulseiras tilintantes na flacidez dos braços, discutiam os novos valores morais e comentavam o recente desquite.
              - A menina dela não tem um ano de casada.
              - É a segunda que se separa.
              - Como?
              - A segunda.
              Aniversário da dona da mansão, que se acompanhava ao violão com graça, aplaudida pelos que estavam em volta. O garçom (ou maitre, porque era solene) curvou-se ao seu ouvido. Ela se livrou do violão, levantou-se e bateu palmas chamando todos para o almoço à americana, as mesas sob as árvores. Cada um apanhou o seu prato, formaram-se as filas, o homem gentil cedeu lugar a umas nádegas rijas, cortadas sempre pelo cordão do biquíni:
              - Faz favor.
              - Obrigada.
              Os cães de raça latiam e uivavam desesperadamente nos canis (e dizem que os cães vêem coisas). Foi preciso que o tratador viesse acalmá-los, embora eles rodassem sobre si mesmos e rosnassem. A distância, a piscina quase olímpica, agora deserta: toalhas esquecidas. O vidro de bronzeador, o cinzeiro sobre a mesinha cheio de pontas de cigarro marcadas de batom.
              As filas. Alguém tangeu o gato que lutava com um pedaço de osso. Lenita fez o prato do marido, preparou também o seu. Mordia a fatia de peru com farofa, quando se lembrou do filho:
              - Cadê o Netinho?
              Certa angústia na voz. Chamou o marido, gritou pela babá, que se distraía com as outras na varanda. Olhos espantados e repentino silêncio talvez maior de qualquer outro. Refeições suspensas, uma senhora mantinha no ar o garfo cheio. Tentavam segurar Lenita. oEla se desvencilhava:
              - Cadê o Netinho? Cadê?
              As águas da grande piscina eram tranqüilas, apenas levemente franjadas pelo vento. Boiava sobre elas uma carteira de cigarros vazia. Mas a moça que se aproximava parecia divisar um corpo no fundo, preso à escada. Voltaram a afastar Lenita, o marido a envolveu nos braços possantes, talvez procurando refúgio também. O campeão de vôlei atirou-se à piscina e veio à tona sacudindo com a cabeça os cabelos longos: trazia sob o braço um corpo inerme, flácido, de apenas quatro anos e de cabelos louros e gotejantes.
              O médico novo, de calção, tentou a respiração artificial, e boca-a-boca (os lábios de Netinho estavam arroxeados), e levantou-se sem palavras e sem olhar para ninguém. Lenita soltou-se e agarrou-se ao filho:
              - Acorde, acorde! Pelo amor de Deus, acorde?
              Conseguiram afastá-la mais de uma vez, quase desmaiou. A amiga limpava-lhe com os dedos a sobra de farofa que se grudava ao seu rosto. Os cães de raça voltavam a a latir desesperadamente, e dizem que os cães vêem coisas.
              Lenita ficou para sempre com a sensação do corpo inerte e mole entre os braços. Uma marca, uma presença, que procurava desfazer com as mãos. Cabelos louros e gotejantes. Às vezes, ela despertava na noite:
              - Acorde, acorde!
              A presença também daquele instante de silencio que pesara sobre a piscina. Um pressentimento apenas? Precisamente o momento em que Ela chegara, transparente e invisível, e se a senhora à beira da piscina, cruzando as pernas longas, antiqüíssima, atual e eterna.
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Fonte: CAMPOS, José Maria Moreira. Dizem que os cães vêem coisas. Fortaleza: Edições UFC, 1987.

Moça com flor na boca, de Airton Monte


A esta hora tardia em que escrevo, o dia de amanhã já se anuncia no melancólico cantar de um galo insone, exilado na grande cidade. Claro que o mundo não pára enquanto dormimos. As coisas continuam acontecendo, seguindo seu próprio ritmo.

Quem sabe, em algum lugar, neste determinado momento, um bebê tenha acabado de nascer e a humanidade se engrandeceu mais um pouco, envolta no doce mistério da carne, como se nós todos milagrosamente ressurgíssemos do nada.

Na mesma escala do tempo, num botequim da periferia, compadre Raimundo matou compadre Francisco por causa de uma dose de cachaça pedida e recusada. Em uma cobertura luxuosa da Avenida Beira-Mar, um marido (respeitável cidadão) espancou outra vez a mulher só porque ela abraçou e beijou um velho amigo de faculdade. Trancado no quarto, olhos fixos na tela do computador, o filho de 5 anos sente o ódio envenenando sua dolorosa meninice.

Já no centro da cidade, que jamais dorme, maus meninos de boas famílias ateiam fogo a um mendigo bêbado, só para tornar a noite menos chata. Pela internet, um casal ainda jovem se ama por correspondência e usa nomes falsos e troca retratos fictícios.

Num sobradinho branco, de janelinhas azuis recém-pintadas, à beira do mar, um homem e uma mulher celebram no altar de Vênus sob as bênçãos de Afrodite. Num terreno baldio, uma criança é estuprada e morta pelo vendedor de picolés.

Na Praia de Iracema, as vendedoras de flores poetizam a noite sórdida. Dentro de um mesmo universo multifacetado, há, ao mesmo tempo, uma lua-de-mel, um velório de pai rico onde os filhos choram com advogado ao lado e com firma reconhecida. Ah, quantos dramas, quantas tragédias acontecendo agora enquanto escrevo, inclusive uma canção que se solta pelo ar, uma estrela cadente, uma nuvem esculpida caprichosamente pelo vento, um homem solitário recitando poemas de amor e seu coração gritando vida, meus olhos sonhando com a mágica visão de uma moça linda, com um sorriso de jardim suspenso da Babilônia e, certamente, irremediavelmente com uma flor na boca, que o poeta colherá inevitavelmente, imune ao veneno de todos os espinhos.(p. 7 e 8 )

Crônica extraída do livro Moça com flor na boca.